16 de jan. de 2012

O que é Mobilização Social?

A mobilização social é muitas vezes confundida com manifestações públicas, com a presença das pessoas em uma praça, passeata, concentração. Mas isso não caracteriza uma mobilização. A mobilização ocorre quando um grupo de pessoas, uma comunidade ou uma sociedade decide e age com um objetivo comum, buscando, quotidianamente, resultados decididos e desejados por todos.
Mobilizar é convocar vontades para atuar na busca de um propósito comum, sob uma interpretação e um sentido também compartilhados.
Participar ou não de um processo de mobilização social é um ato de escolha. Por isso se diz convocar, porque a participação é um ato de liberdade. As pessoas são chamadas, mas participar ou não é uma decisão de cada um. Essa decisão depende essencialmente das pessoas se verem ou não como responsáveis e como capazes de provocar e construir mudanças. Convocar vontades significa convocar discursos, decisões e ações no sentido de um objetivo comum, para um ato de paixão, para uma escolha que “contamina” todo o quotidiano.
 
Toda mobilização é mobilização para alguma coisa, para alcançar um objetivo pré-definido, um propósito comum, por isso é um ato de razão. Pressupõe uma convicção coletiva da relevância, um sentido de público, daquilo que convém a todos. Para que ela seja útil a uma sociedade ela tem que estar orientada para a construção de um projeto de futuro. Se o seu propósito é passageiro, converte-se em um evento, uma campanha e não em um processo de mobilização. A mobilização requer uma dedicação contínua e produz resultados quotidianamente.
 
Como falamos de interpretações e sentidos também compartilhados reconhecemos a mobilização social como um ato de comunicação. A mobilização não se confunde com propaganda ou divulgação, mas exige ações de comunicação no seu sentido amplo, enquanto processo de compartilhamento de discurso, visões e informações. O que dá estabilidade a um processo de mobilização social é saber que o que eu faço e decido, em meu campo de atuação quotidiana, está sendo feito e decidido por outros, em seus próprios campos de atuação, com os mesmos propósitos e sentidos.
 
Toda ordem de convivência é construída, por isso é possível falar em mudança. As ordens de convivência são construídas, não são naturais. O que é natural é a nossa tendência a viver em sociedade. Os gregos se tornaram capazes de criar a democracia a partir do momento que descobriram que a ordem social não era ditada pelos deuses, mas construída pelos homens. Vislumbraram assim a possibilidade de construir uma sociedade cujo destino não estivesse fora dela, mas nas mãos de todos os que dela participavam.
 
Quando as pessoas assumem que têm nas mãos o seu destino e descobrem que a construção da sociedade depende de sua vontade e de suas escolhas, aí a democracia pode tornar-se uma realidade.
“Toda ordem social é criada por nós. O agir ou não agir de cada um contribui para a formação e consolidação da ordem em que vivemos. Em outras palavras, o caos que estamos atravessando na atualidade não surgiu espontaneamente. Esta desordem que tanto criticamos também foi criada por nós. Portanto, e antes de converter a discussão em um juízo de culpabilidades- se fomos capazes de criar o caos, também podemos sair dele.” Bernardo Toro
No Brasil já não acreditamos na ordem emanada dos deuses, já não temos um ditador e cada vez fica mais impessoal o “eles” a quem responsabilizamos pela nossa realidade. Mas ainda insistimos em pensar e agir como se a situação em que vivemos fosse obra do outro.
Não aceitar a responsabilidade pela realidade em que vivemos é, ao mesmo tempo, nos desobrigarmos da tarefa de transformá-la, colocando na mão do outro a possibilidade de agir. É não assumirmos o nosso destino, não nos sentimos responsáveis por ele, porque não nos sentimos capazes de alterá-lo. A atitude decorrente dessas visões é sempre de fatalismo ou de subserviência, nunca uma atitude transformadora.
 
A formação de uma nova mentalidade na sociedade civil, que se perceba a si mesma como fonte criadora da ordem social, pressupõe compreender que os “males” da sociedade são o resultado da ordem social que nós mesmos criamos e que, por isso mesmo, podemos modificar.
A convivência social, por não ser natural, requer aprendizagens básicas que devem ser ensinadas, aprendidas e desenvolvidas todos os dias. Esta é uma tarefa de toda a vida de uma pessoa e de uma sociedade.
 
AS 7 APRENDIZAGENS BÁSICAS PARA CONVIVÊNCIA SOCIALBernardo Toro (1993)
1) Aprender a não agredir o semelhante(fundamento de todo modelo de convivência social)
2) Aprender a comunicar-se(base da auto-afirmação pessoal ou do grupo)
3) Aprender a interagir(base dos modelos de relação social)
4) Aprender a decidir em grupo(base da política e da economia)
5) Aprender a cuidar de si(base dos modelos de saúde e seguridade social)
6) Aprender a cuidar do entorno(fundamento da sobrevivência)
7) Aprender a valorizar o saber social(base da evolução social e cultural)
 
A Democracia é uma ordem social que se caracteriza pelo fato de suas leis e suas normas serem construídas pelos mesmos que as vão cumprir e proteger. A democracia é uma ordem auto-fundada. Nem toda ordem de convivência é democrática. A monarquia é uma ordem de convivência, mas não é democrática. Nela um monarca, que, por laços de sangue ou divindade, se coloca fora, separado da sociedade, diferente dos outros, cria as leis e as normas que vão reger aquela sociedade. Ele cria a ordem social e aos súditos (sub ditos: submetidos ao que o outro diz) cabe obedecer essas normas. É por isso que na monarquia comemora-se quando nasce o filho do rei, porque a continuidade da ordem está assegurada.
 
A ditadura também é uma ordem social, mas não é democrática. Nela o ditador, ou seu grupo, por força das armas, se coloca acima da sociedade e dita as normas sobre como ela deve pensar e agir. A ordem também vem de fora, sua fonte é externa à sociedade que deve cumpri-las.
 
Na democracia a ordem social se produz a partir da própria sociedade. Nela as leis são criadas, direta ou indiretamente, pelos mesmos que as vão cumprir e proteger. A convivência democrática começa quando uma sociedade aprende a auto-fundar a ordem social. E isso deve ser ensinado e aprendido.
 
Por isso, a democracia é uma cosmovisão, o que quer dizer que ela é uma forma de ver o mundo. Uma forma que aceita cada pessoa como fonte de criação de ordem social. A democracia não pode ser imposta, tem que ser quotidianamente construída. Ela é fruto da decisão de uma sociedade, que acredita que é possível criá-la, a partir de uma unidade de propósito e do respeito pelas diferenças.
 
A democracia não é um partido político, não é uma matéria, é uma decisão que se fundamenta em aceitar o outro como igual em direitos e oportunidades. Por isso, a democracia supõe a construção da equidade social, econômica, política e cultural.
 
Porque a ordem democrática é uma ordem construída, não existe um modelo ideal de democracia que possamos copiar ou imitar. Podemos aprender com outras sociedades que constroem sua própria ordem democrática, mas é nossa a responsabilidade de criar nossa própria democracia.
 
Esse princípio é chamado de “incerteza” e é fundamental para uma sociedade que quer ser produtiva econômica e socialmente, porque se opõe à tradição de “ser como os outros”.
 
O conflito é constitutivo da convivência democrática. Na democracia não existem os inimigos, mas os opositores: pessoas que pensam diferente, querem buscar os objetivos de outra forma, tem interesses distintos dos meus, que muitas vezes conflitam com eles, mas com as quais posso discutir e consensar metas comuns, colocadas acima das divergências. Para a democracia, a paz não é a ausência de conflito. A paz é o resultado de uma sociedade que é capaz de criar e aceitar regras para dirimir conflitos sem eliminar o outro nem física, nem social, nem psicologicamente.
 
Na democracia, o público, o que convém e interessa a todos, se constrói e se fortalece na sociedade civil. A força do público e das instituições públicas tem origem no fato de que eles sintetizam e representam os interesses, contraditórios ou não, de todos os setores da sociedade.
 
A partir deste conceito de democracia podemos desenvolver o conceito de cidadão. No Brasil o cidadão tem sido confundido com o voto. Cidadão seria aquele que vota. Mas o voto é um direito do cidadão, não é o que o define como tal.
Cidadão é a pessoa capaz de criar ou transformar, com outros, a ordem social e a quem cabe cumprir e proteger as leis que ele mesmo ajudou a criar.
(*) Bernardo Toro é escritor, filósofo e educador colombiano, um dos mais importantes pensadores da educação e democracia na América Latina. Dentre suas obras destacamos o livro “Mobilização social: um modo de construir a democracia e a participação”

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